Juros premiam mercado financeiro enquanto penalizam setor produtivo

Juros premiam mercado financeiro enquanto penalizam setor produtivo

* Por Thiago Maurique

Decisões do Copom reforçam cenário que favorece o capital especulativo e aprofunda a desindustrialização

Decisões do Copom reforçam cenário que favorece o capital especulativo e aprofunda a desindustrialização
Thiago Maurique é jornalista e sócio do Valores do RS

Escrevo esta coluna antes do anúncio da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que deve ampliar ainda mais a já elevadíssima taxa básica de juros (Selic) do Brasil. As projeções do mercado, amplamente divulgadas, apontam para uma alta de meio ponto percentual, que deve levar a Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) a inacreditáveis 14,75% — o maior patamar em 19 anos.

Com apoio de agentes do mercado e de economistas entusiastas do tripé macroeconômico vigente — superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante —, os juros elevados no Brasil são um dos principais entraves ao crescimento econômico e têm impacto direto na desindustrialização do país. Com taxas que historicamente figuram entre as mais altas do mundo, o custo do crédito inviabiliza investimentos produtivos e inibe a expansão da indústria nacional, já pressionada por dificuldades de competitividade, infraestrutura deficiente e um ambiente tributário hostil.

Todos esses gargalos fizeram a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) cair de cerca de 25% nos anos 1980 para menos de 11%, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Enquanto isso, o setor financeiro vive tempos de prosperidade. Investidores encontram nos títulos públicos atrelados à Selic e demais aplicações de renda fixa uma rentabilidade expressiva, com risco mínimo. Essa dinâmica faz com que o capital busque o caminho mais fácil: em vez de ser direcionado à produção, ao emprego e à inovação, permanece estacionado no setor financeiro, onde prevalece a lógica do ganho rápido e seguro.

Juros premiam mercado financeiro enquanto penalizam setor produtivoA estrutura tributária acrescenta mais um elemento a essa disputa entre setores. Apesar de algumas desonerações pontuais em segmentos específicos, a indústria enfrenta uma carga pesada de impostos, complexidade burocrática e pouca previsibilidade. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que cerca de 50% da arrecadação vem de impostos sobre consumo e folha de pagamento, enquanto apenas 20% vêm de tributos sobre patrimônio e renda, incluindo ganhos financeiros. Dividendos, por exemplo, são isentos de imposto desde 1996, enquanto aplicações financeiras têm tributação regressiva — quanto mais tempo investido, menor o imposto. Isso reforça o desequilíbrio de condições entre quem produz e quem especula.

A influência desproporcional que os porta-vozes do mercado financeiro exercem sobre os rumos da economia brasileira também contribui para esse cenário. Economistas ligados a bancos, gestoras e consultorias não apenas influenciam decisões do governo e do Banco Central, como também dominam o debate público na imprensa. Isso até não seria tão grave se esses especialistas acertassem suas previsões. Nos últimos cinco anos, cerca de 95% dos prognósticos sobre inflação, Produto Interno Bruto (PIB) e câmbio estavam errados. Apesar disso, são os “economistas do mercado” que continuam sendo tratados como bússola oficial para decisões que afetam todos os outros setores da economia.

No fundo, essa lógica escancara o papel do rentismo no desenvolvimento nacional — ou na falta dele. Quando a prioridade do país é remunerar o capital em vez de estimular a produção, o trabalho e a inclusão social, os ganhos ficam concentrados em quem não tem interesse genuíno em desenvolver a nação, porque não ganha dinheiro com isso. Enfrentar esse modelo é necessário e exige uma mudança de mentalidade coletiva. Afinal, quando uma economia só funciona para o mercado financeiro, ela não colabora com o crescimento do país.

Juros premiam mercado financeiro enquanto penalizam setor produtivo