Brasil negocia mais que produtos com a China
Acordos bilaterais trazem oportunidades, mas exigem visão estratégica.

A nova leva de acordos firmados entre Brasil e China dividiu opiniões e resultou em polêmicas vazias que não se sustentam diante dos fatos. São 36 compromissos envolvendo uso de moeda local nas transações bilaterais, ampliação do comércio agroindustrial, investimentos em infraestrutura, satélites, inteligência artificial, produção nacional de insulina, entre muitos outros. Longe de ser um movimento discreto, representa um reposicionamento estratégico.
Desde 2009, a China ocupa o posto de maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, foram mais de US$ 157,5 bilhões em exportações brasileiras ao país asiático, contra US$ 103,7 bilhões somados de Estados Unidos e União Europeia, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Mesmo com essa liderança consolidada, a parceria avança para áreas cada vez mais estratégicas.
O uso direto do real e do yuan —driblando a dependência do dólar — reduz custos financeiros e flutuação cambial, especialmente para quem importa ou exporta com regularidade. É uma tentativa concreta de reequilibrar a lógica do comércio internacional, até aqui centralizada em uma moeda que serve muito mais aos interesses do emissor, no caso os EUA.
Até o momento, o agronegócio segue como o setor mais beneficiado. Acordos fitossanitários vão ampliar a exportação de carne de frango, derivados do milho e amendoim. Do outro lado, infraestrutura, energia e indústria podem ganhar fôlego com investimentos diretos da China — como no caso do leilão do Túnel de Santos, que deve atrair R$ 6 bilhões em aportes privados, segundo o Ministério de Portos e Aeroportos.
Ainda assim, há quem trate com desconfiança a presença da China em setores considerados “estratégicos”. Mas a pergunta é inevitável: por que o capital chinês causa tanto incômodo, enquanto o domínio histórico dos EUA passa despercebido? Durante décadas, os norte-americanos influenciaram políticas econômicas, financiaram elites locais, ditaram regras e ocuparam áreas como petróleo, energia e comunicações. Isso tudo sob a narrativa de “cooperação”.
Com a China, o modelo parece ser outro, galgado em pragmatismo, comércio e investimento. O país asiático investe onde há oportunidade, costuma respeitar a autonomia dos seus parceiros e valorizar parcerias de longo prazo. É um jogo de interesses, como sempre, mas parece menos condicionado a interesses unilaterais. De qualquer forma, fica subentendido a necessidade de não seguir a mesma lógica da relação com os norte-americanos. O Brasil não pode se posicionar como o mesmo “quintal”, mas sob outra administração.
Para quem empreende, o recado é claro: entenda o cenário. A diversificação de mercados, o acesso a insumos mais baratos, os acordos cambiais e os fluxos de capital vindos do Oriente podem representar ganhos reais. Mas exigem leitura, posicionamento e agilidade.
O eixo geopolítico global está mudando. Se o Brasil souber se posicionar com soberania, pode ser mais do que um fazendão fornecedor de commodities. O país tem potencial para ser um elo estratégico entre blocos, ideias e interesses globais.
Brasil negocia mais que produtos com a China