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Thiago Maurique

Trump e a ilusão do líder infalível

Trump e a ilusão do líder infalível

* Por Thiago Maurique 

Cercado por bajuladores e preso às próprias convicções, presidente norte-americano insiste em tarifas que destroem mercados — comportamento serve de alerta também ao mundo corporativo.

Trump e a ilusão do líder infalível
Thiago Maurique é jornalista e sócio do Valores do RS

As convicções pessoais podem ser um grande obstáculo para a evolução dos negócios — e dos demais aspectos da vida em sociedade. Quando essas crenças entram em conflito com dados concretos e análises embasadas, a situação se torna ainda mais grave. Esse fenômeno, conhecido como viés de confirmação, leva gestores a darem mais peso a informações que reforçam percepções já estabelecidas, enquanto ignoram ou minimizam evidências que as contradizem. No ambiente empresarial, essa tendência conduz à tomada de decisões desalinhadas com a realidade do mercado.

O problema se agrava quando gestores se cercam de pessoas que reforçam essas crenças. A presença de bajuladores dentro de uma organização cria um ambiente onde a discordância é vista como ameaça, e não como um elemento enriquecedor. Isso gera um ciclo perigoso: um gestor convencido de que está sempre certo, rodeado por um grupo que valida suas decisões sem questionamentos, tende a se distanciar cada vez mais da realidade.

A ciência ajuda a explicar parte desse comportamento. O cérebro humano tem uma capacidade extraordinária de adaptação e aprendizado, conhecida como plasticidade cerebral. Quando repetimos um mesmo padrão de pensamento ou comportamento, os circuitos neurais responsáveis por ele se fortalecem, tornando-o mais automático e eficiente a cada repetição. Esse mecanismo é útil para aprimorar habilidades técnicas, mas pode ser prejudicial quando impede a abertura a novas ideias. Se um gestor insiste em tomar decisões sempre da mesma forma, reforçando apenas suas próprias crenças e ouvindo apenas opiniões alinhadas às suas, seu cérebro se acomoda nesse modelo e se torna cada vez menos receptivo ao divergente.

Presidente da maior economia do mundo, Donald Trump é um exemplo notório de como esse padrão tem efeitos concretos e duradouros. A adoção de tarifas comerciais punitivas — que atingiram da China a aliados históricos — exemplifica esse comportamento. A decisão foi baseada em convicções ideológicas — nacionalistas e protecionistas — e em um discurso político que encontra ressonância emocional entre seus eleitores. Mas contraria todos os alertas de economistas, os dados históricos e as projeções dos impactos que já começam a ocorrer. As consequências são globais, mas atingem principalmente os norte-americanos.

Como a indústria dos Estados Unidos pagará mais caro por insumos, algumas fábricas já anunciaram a paralisação completa da produção, em especial no setor automotivo. Com produtos nacionais e importados mais caros, a inflação é inevitável e penalizará duramente o consumidor daquele país. No mercado financeiro, os prejuízos — na casa dos trilhões de dólares — aumentam a cada dia. O impacto foi tão expressivo que gerou críticas até mesmo entre aliados e apoiadores históricos de Trump.

Pilar do trumpismo, Elon Musk chegou a afirmar que as tarifas ferem a lógica do livre mercado e prejudicam empresas inovadoras que dependem de uma cadeia global de insumos e componentes. Ignorando os alertas e a própria realidade, o presidente não parece disposto a voltar atrás. As redes sociais, com seus algoritmos que reforçam narrativas convenientes, contribuíram para consolidar a ideia — e o que se vê é o isolamento progressivo de uma estratégia baseada mais em convicção do que em evidência.

O líder eficiente não é aquele que se cerca de bajuladores, reais ou virtuais, e se mantém fechado em suas convicções. Ele precisa compreender que a realidade dos negócios é fluida, e que decisões acertadas dependem de uma visão ampla, crítica e em constante construção. Assim como na política e na economia, os aplausos no mundo corporativo podem afagar o ego, mas não garantem resultados. Ao contrário, podem destruir empresas, mercados — e os próprios fundamentos da economia globalizada.

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